Tuesday, January 30, 2007

Tinta da China

Mais uma noite de tremores, daqueles só para chatear um gajo. 3 da matina de segunda-feira, ferrado no sono, quando sinto a minha cama tremer por cerca de 30 segundos. Nada de muito forte mas o suficiente para acordar despercebido e espantar o sono por umas horas! Enfim, temos de viver com estas coisas.
Nestes dias tenho andado ocupado a experimentar umas aulas de caligrafia japonesa. Dadas aqui na residência, vamos ter três sessões onde tentaremos copiar caracteres japoneses (kanji, hiragana e katakana) para o papel tipo mata-borrão. Como tinta, usamos sumi. O modo de preparação do sumi tem um certo cerimonial pois temos de raspar um bloco sólido numa placa própria usando dissolvente e uns movimentos ora de vaivém, ora circulares. Portanto, há uma receita a seguir e a preceito. O resultado final parece-se muito com tinta da china. Para aqueles que viram o filme de Peter Greenway “Pillow Book” podem contemplar um pouco o quão artístico e intrínseco da cultura asiática representa a escrita de caracteres. Caligrafia, mais que uma questão cultural, era usada antigamente para ilustrar o estatuto social e intelectual nas populações chinesa, japonesas e coreanas. Voltando ao presente... bem me esforço para reproduzir aqueles traços redondos e fugidos. Mas não me serve de nada bramir gestos inúteis com o pincel e esparramar caoticamente a tinta nas folhas A4 – há, de novo, uma forma e ordem correcta de os fazer, de quanta forca aplicar, de como posicionar as mãos. Cada fio do pincel tem de ser domado, a forma como cada um daqueles traços está desenhado é a diferença entre uma obra de arte e um rabisco sofrível. Caligrafia, agora percebo, é uma arte maior.
E foi nestes afazeres que no último Sábado acabei por ir a um museu dedicado ao poeta zen Mitsuo Aida em Tóquio (o qual era também admirado pelas suas qualidades de calígrafo). Devo dizer que muito do que estava escrito me passou despercebido (kanjis não são o meu forte!) - tinham umas traduções em inglês mas estas pareceram-me bastantes fracas na forma. Enfim, para mim foi mais uma questão de apreciar a beleza estética de bem escrever. Este museu fica no Fórum Internacional de Tóquio, o qual já aqui descrevi. Esta visita foi, na verdade, um compasso de espera para ir assistir a um leilão de arte moderna a convite da Keiko. Os lotes eram sobretudo arte moderna japonesa, séculos 19 e 20. Alguns exemplares interessantes e uma série deles a chegarem a uns valores exorbitantes. Os lances estavam tão rápidos que uma pessoa até tinha medo de se mexer não fosse o diabo tece-las e o homem do martelo enganar-se e pensar que estávamos a oferecer uns valentes milhões de ienes pelo colorido quadrado exposto à nossa frente!
Gambette kudasai!

Monday, January 08, 2007

O imperador do Japão

2 de Janeiro de 2007. Hoje foi dia da Família Imperial do Japão vir abençoar o novo ano assim como os seus súbditos. Esta é uma das raras ocasiões durante a qual se pode entrar nos recintos mais interiores do palácio e ver o Imperador “ao vivo e a cores”. A intervalos regulares de 50 minutos a Família vem até à varanda forrada de vidros à prova de bala e durante cerca de 10-15 minutos, polvilhados com pequenos discursos do Imperador, ali ficam a saudar o gentio. Escusado será dizer que quando ali chegámos, pelas 10 da manha, já uma multidão se agitava nas redondezas do palácio. Um forte dispositivo de segurança assegurava que ninguém entrava sem ser revistado. A porta do palácio e para acalmar os impacientes súbditos, alguns seguranças andavam a distribuir bandeirolas japonesas. Eu também recebi uma mas a bem-dizer foi logo para a mochila. Parece-me um tanto estranho andar a agitar bandeiras de outros países que o meu! Enfim, agradecido pelo recuerdo mas é só pra enfeitar a casa.
Finda a cerimónia dirigimo-nos para Ueno. Entretanto, numa das estacões de metro junto ao palácio, deparámo-nos com corredores repletos de imagens dos filmes do estúdio Ghibli (mais conhecido por fazer filmes de animação japoneses como A Viagem de Chihiro). Em Ueno, a nossa meta era encontrar umas termas especiais que, segundo o guia da Christina, eram algo especial pois as águas têm cor negra! E para ficar desconfiado, não? E depois, água de cor negra em Tóquio não deve ser assim tão difícil de encontrar! Enfim, ela não gostou muito das minhas piadas... Lá andámos (repetidamente) às voltas por Ueno até que finalmente tivémos de parar num posto da polícia onde perguntámos se nos podiam ajudar a encontrar as ditas. O prestável agente não sabia, puxou dos mapas e cartas, telefonou para as informações, enfim ainda passou uns bons 5 minutos até dar com o raio das termas ali do bairro. Em poucos minutos demos com um sítio recôndito, escondido numa ruela de casas de habitação. E qual o nosso desgosto quando ali chegados, demos de cara com uma porta fechada! Devíamos ter adivinhado pois se por aqui muitas das lojas e comércio fecharam de 31 a 3, porque não as termas? Ficou a vontade de tentar de novo. Tóquio tem sempre algo para descobrir.

Saturday, January 06, 2007

O-misoka 2007

Chegámos a Asakusa com tempo para gastar. Pouco passava das nove da noite mas já as ruas, ainda decoradas de Natal, se encontravam cheias de uma multidão ávida para receber o novo ano. A Christina (EUA), a Chamini (Austrália) e eu tínhamos decidido assistir àquela que é porventura a mais famosa celebração religiosa da passagem de ano em Tóquio. No centro do bairro de Asakusa, o complexo religioso que alberga o imenso templo budista Senso-ji, é uma referência perene para japoneses e turistas.
Saímos de Tsukuba sem jantar pelo que decidimos parar num restaurante de sushi. Uma casa de pasto banal, daquelas com um tapete rolante de onde uma pessoa retira pires ao sabor do apetite e os empilha como num jogo de Lego para controlar o que se vai comendo. Antes, passámos pela entrada do complexo onde as massas afluíam ordeiras. Imersas no frio seco e límpido de Dezembro, corredores pontilhado de luzes festivas, filas de gente esperavam pela sua vez para poderem entrar no Senso-ji quando este abrisse as suas portas daí a três horas, à meia-noite.
Dez horas e o restaurante fechou, para nosso desgosto. Entrámos no complexo curiosos pelas numerosas barracas de venda ali dispersas. Brinquedos, souvenirs, amuletos, roupas, comida e bebida, ... Engraçado como me lembraram na disposição aquelas que todos os anos povoam a Feira do Livro no Parque Eduardo VII - saudades de Lisboa.
Finalmente, à falta de melhor, seguimos o rebanho, juntámo-nos à multidão expectante. Ali esperámos, entre estórias e jogos tentando esquecer o tempo lento, teimoso. Passou-se hora e meia e o gentio engrossava a olhos vistos. Entretanto conhecemos uma rapariga de Zagreb que ali tinha vindo a conselho de amigos. A nossa nova companheira informou-nos de uma cerimónia que deveria ocorrer ali no recinto, talvez com mais interesse que calcorrear um templo de uma religião da qual nenhum de nós era praticante. Honestamente, fiquei aliviado por poder fugir da horda compacta e imóvel. Assim andámos a explorar o complexo até encontrarmos o sino de Senso-ji. Este sino é um importante símbolo do templo e, durante as celebrações do ano novo (o-misoka), é tocado 108 vezes (chamam-lhe joya-no-kane). Porquê 108? Segundo os costumes budistas 108 badaladas representam outros tantos defeitos humanos que expiamos (inveja, ira, desejo, ...). Uma lavagem espiritual, portanto. Desta feita, a cerimónia começou pouco depois da meia-noite terminando lá pela 1h30. Cada badalada foi executada por um cidadão diferente, normalmente membros ilustres da comunidade local. Entretidos com o sino, quase esquecemos o templo. Tinham aberto as portas e ondas de gente, controladas pela sempre zelosa forca policial, subiam a par e passo os degraus que os levavam até ao interior do Senso-ji.
E assim se recebeu 2007. Feliz ano novo!

Monday, January 01, 2007

Ir a banhos em Atami


Os Onsen (ou banhos termais, spas, como lhes queiram chamar) são extremamente populares aqui no Japão. Sendo este país uma cadeia de ilhas volcânicas, encontram-se registadas oficialmente cerca de 14000 fontes hidrotermais - muito por onde escolher, portanto! Há-as de todo o tipo e para todos os gostos: desde as simples termas de água doce, até às de água salgada, ácida ou sulfurosa. Este costume de “ir a banhos” começou há cerca de um milénio atrás. Inicialmente estava limitado às classes dirigentes e aristocracia. No entanto, quando os senhores de guerra descobriram as capacidades terapêuticas das fontes o seu uso cresceu consideravelmente até que, durante o período Edo, se popularizou por todas as camadas da população japonesa.
Três de nós decidimos ir explorar parte desta tradição nipónica. Para tal reservámos um hotel especializado sito na península de Izu, mais precisamente na cidade costeira de Atami. Ali chegados a primeira coisa que vimos ao sair da estacão de caminhos-de-ferro foi uma espécie de banhos para os utentes do terminal multi-modal. O pessoal senta-se ali a aquecer os pés na água durante uns agradáveis minutos, isto até o autocarro chegar. Bem melhor do que ficar a bater os dentes numa qualquer paragem! Ainda nos sentimos tentados...banhos para os pés ali, de graça e para todos, num dia frio e límpido de Inverno como aquele...mas enfim, a prioridade era dar uma vista de olhos pela cidade e tentar descobrir o posto de turismo. Como nenhum de nós é fluente em japonês precisámos de ajuda para encontrarmos o caminho para o hotel. Saídos do posto, fomos almoçar a um restaurante por eles recomendado. O conselho revelou-se acertado pois fomos não só bem servidos mas a comida era óptima. Atami é uma cidade costeira com uma forte tradição de pesca. Logo, como podem imaginar, o peixe era do mais fresco e da melhor qualidade (e assim foi por toda a estadia). No caminho para o hotel, ainda tivemos tempo para visitar umas arcadas comerciais onde vendiam uma miríade de doces e comida japonesa. Chegados ao hotel fomos rapidamente encaminhados para o nosso quarto. Um quarto tipicamente japonês com uma série de tatamis a cobrir o chão. Vista de um oitavo andar face ao mar, um espelho azul transparente, de fundos rochosos. Pouco depois, saídos do quarto para explorar o hotel, a certa altura quase no perdemos na confusão dos imensos corredores. Imaginem-se num enorme complexo onde todas as direcções estão em japonês, onde os funcionários só falam japonês, onde raramente nos cruzamos com outros clientes, onde a recepção se encontra no sexto andar (só depois de visitarmos quase todos os andares é que nos apercebemos desta! É que o hotel fica numa encosta.). Por fim, lá encontrámos o nosso propósito: as salas dos banhos. A principal tinha uma série de diferentes compartimentos e piscinas onde a água se encontrava a diferentes temperaturas (desde água fria até água a uns bons 45 graus). Ali mesmo ao pé uma escaldante sauna onde consegui ficar apenas 3 minutos. Neste hotel em particular, não havia banhos mistos embora estes sejam relativamente comuns por todo o Japão. Nas salas andávamos todos em pelota. Dão-nos umas reduzidas toalhas (tipo daquelas para secar os pés) com as quais somos supostos lavarmo-nos, secarmo-nos e se necessário cobrirmo-nos. Regra de ouro nestas coisas: antes de metermos sequer um dedo nos banhos temos de tomar um duche, ali na sala, para mostrar a todos os outros que estamos limpos para entramos na água comunal! Mas melhor foi realmente a piscina exterior. Senão tentem imaginar: água a cerca de 40 graus, temperatura exterior de 10, vista fabulosa para o mar, num dia límpido e soalheiro de Inverno. Piscina tipo rústica, ladeada de pedregulhos, quase no topo da colina. Lindo!
Como estávamos em regime de meia-pensão tivémos direito a um memorável jantar tipicamente japonês. Acreditem ou não para por a aparatosa mesa (para apenas três pessoas) demoraram alguns 15 minutos! Enfim digamos que o jantar era no mínimo copioso. Tínhamos ali de tudo! Desde Nabe de marisco até Shashimi e mesmo rosbife! Muito arroz, noodles e chá verde a acompanhar. Foi uma barrigada como já há muito não experimentava!